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 Quantas vezes você ouviu que é preciso praticar atividades físicas? Seja na tevê, seja em revistas ou em jornais, quantas reportagens já trataram sobre a importância de manter o corpo em movimento? Quantas academias existem próximas à sua casa? Cuidar do corpo por meio dos exercícios físicos é um consenso entre a comunidade médica, os cientistas e a sociedade. Agora, pare para pensar: quantas vezes alguém te aconselhou a procurar uma ginástica para o cérebro? Manter a massa cinzenta sarada é importantíssimo para atenuar ou mesmo evitar algumas doenças causadas pela falta de atividade cerebral, mas também tem resultados significativos a curto prazo. Aprendizagem, memória, coordenação motora e foco são apenas alguns dos benefícios de investir em um programa para a mente.

 Assim como nos treinos voltados ao corpo, observar com cuidado a alimentação é o ponto de partida para garantir o efeito dos exercícios. A ligação entre dieta de qualidade, deficiências nutricionais e saúde mental, inclusive, foi tema de um estudo publicado no fim de fevereiro na revista científica Lancet. Feito pela Universidade de Melbourne e pela Universidade Deakin, o trabalho frisa que, além de remédios, alguns nutrientes são essenciais para manter o cérebro em forma e até evitar o aparecimento de algumas doenças.

Além de melhorar a alimentação, o estudo sugere que a prescrição baseada em nutrientes pode ser uma ajuda em potencial no gerenciamento de transtornos mentais. “Ainda que as determinantes da saúde mental sejam complexas, a evidência emergente e convincente para a nutrição como um fator chave para a alta prevalência e incidência de transtornos mentais sugere que a nutrição é tão importante para a psiquiatria quanto para a cardiologia, a endocrinologia e a gastroenterologia,” reforça Jerome Sarris, um dos psiquiatras responsáveis pelo estudo.

 De acordo com Sarris, nutrientes como ômega 3, vitaminas do complexo B (especialmente ácido fólico e B12), colina, ferro, zinco, magnésio, S–adenosil metionina, vitamina D e aminoácidos têm uma clara ligação com a saúde cerebral. “Ao mesmo tempo em que defendemos que essas substâncias sejam consumidas sempre que possível, doses adicionais em forma de nutracêuticos (suplementos) também são justificáveis.” A conexão entre alimentação saudável e menor prevalência do risco de depressão e suicídio, por exemplo, é fato consumado em muitos estudos atuais, de acordo com Felice Jacka, psiquiatra e pesquisador da Universidade Deakin, também envolvido na pesquisa.

 A menor incidência de depressão se deu em várias faixas etárias e culturas distintas, segundo Jacka. “A nutrição materna e nos primeiros anos de vida também está emergindo como um fator importante na saúde mental infantil, ao mesmo tempo em que deficiências severas de alguns nutrientes durante períodos críticos do desenvolvimento têm tido implicações no desenvolvimento de depressão e de desordens psicóticas.”

Carla Tieppo, neurocientista, professora da Faculdade de Medicina da Santa Casa e da Faculdade de Psicologia da PUC de São Paulo, explica que o cérebro é composto por circuitos formados por neurônios, que ficam mais “fortes” à medida que são usados. Uma pessoa que está aprendendo a andar de bicicleta, por exemplo, exercita cada dia mais esses circuitos até conseguir realizar a tarefa sem nenhuma dificuldade. “É como se eles estivessem sendo lubrificados e funcionassem cada vez melhor”, detalha. Assim como os músculos, o contrário também é verdadeiro: quanto menos se usa, menos os neurônios se desenvolvem.

"Ainda que as determinantes da saúde mental sejam complexas, a evidência emergente e convincente para a nutrição como um fator-chave para a alta prevalência e incidência de transtornos mentais sugere que a nutrição é tão importante para a psiquiatria quanto para a cardiologia, a endocrinologia e a gastroenterologia" - Jerome Sarris, psiquiatra


 Personal para o cérebro
 A neuróbica foi popularizada em 1999 por Lawrence Katz, professor de neurobiologia da Universidade Duke, e pelo publicitário Manning Rubin no livro Mantenha seu cérebro vivo (Editora Sextante). Embora careça de respaldo científico, o conceito tem conquistado cada vez mais adeptos. De acordo com Rubin, ao contrário de outros tipos de exercícios mentais, que “apenas ensinam a realizar uma tarefa em particular”, a neuróbica realmente exercita os neurônios.

 Arquivo Pessoal
Vera Luce Peres, 70 anos, descobriu a neuróbica por acaso (foto: Arquivo Pessoal)
 Rubin conta que tudo começou quando, durante uma pesquisa sobre o cérebro, ele descobriu que adultos podem desenvolver novos neurônios. “Encontrei o doutor Larrwrence Katz, que estava trabalhando em um conceito em seu laboratório na Universidade Duke”, detalha. Os dois juntaram as pesquisas e criaram o conceito da ginástica cerebral, para ajudar interessados em ter alguns neurônios a mais.

 A neuróbica se baseia em três preceitos básicos. Cada um dos sentidos têm suas próprias locações no cérebro, com milhares de vias nervosas. “A menos que você conscientemente exercite todos os seus sentidos, os caminhos para os dendritos se tornam difíceis de alcançar”, completa. “Os dendritos são os armários de arquivos para as informações.” Para que possamos armazenar ou recuperar informações, esse caminho precisa estar livre. No livro, os autores sugerem mais de 100 exercícios para facilitar esse processo.

 Outra premissa da neuróbica é que a rotina pode ser mortal para a saúde cerebral, uma vez que os mesmos “caminhos” cerebrais serão usados sempre. O terceiro mandamento da malhação do cérebro é que o órgão está preparado evolutivamente para experimentar novidades. “A neuróbica incentiva a tentar coisas novas conscientemente.” Exercício físico, claro, é mais do que bem-vindo na maromba mental. A circulação do sangue durante a atividade física, Rubin explica, ajuda a criar o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, da sigla em inglês), proteína responsável por regular a sobrevivência neuronal e a plasticidade sináptica do sistema nervoso periférico e central.

 Não há idade para começar ou muito menos para parar de exercitar o cérebro. Na verdade, segundo a especialista, quanto antes os estímulos começarem, melhor. “Um adolescente que não estuda ou passa muito tempo assistindo a tevê, com certeza, está perdendo uma enorme oportunidade de manter sua máquina cerebral ativada”, reforça Tieppo. A aposentada Vera Luce Peres, 70 anos, descobriu a neuróbica por acaso. Uma sobrinha mandou, pelos Correios, um folder com informações sobre um curso para exercitar o cérebro. Vera pesquisou e descobriu que as aulas eram ministradas em Brasília. Pensou que seria uma boa ideia apresentar o programa ao marido, Arthur Peres, 74, que andava “meio esquecido”, segundo ela. “Fizemos uma aula experimental e achei interessante. Entrei com ele.”

 Graças à neuróbica, a memória de Vera hoje está “espertinha”, como ela mesma define. “Talvez, se eu não tivesse frequentado as aulas, a minha cabeça estivesse mais caidinha”, reforça. A autoestima foi um bônus extra da atividade, uma vez que lembrar de detalhes do cotidiano e acompanhar com mais clareza os acontecimentos do mundo tornou-se mais fácil. “Influenciou muito minha perpicácia para a leitura e principalmente para a internet, que é algo que gosto muito de mexer.” Leitura, jogos de tabuleiro e contas matemáticas hoje já fazem parte da rotina da aposentada.

Daniel Ferreira/CB/D.A Press
Priscila e Nicolas usaram a ginástica cerebral para potencializar os estudos e garantiram aprovação em concursos públicos (foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press)
 Entre os jogos para a mente preferidos, estão o triminó (semelhante ao famoso dominó, só que com peças com três pontas) e o ábaco. Desse último, Vera gostou tanto que comprou um para treinar em casa. “Achei interessantíssimo. Treino todos os dias”, empolga-se. Hoje, Vera acredita encarar o mundo com mais coragem, esclarecimento e atenção. “Inclusive, para quem estuda para concurso, esse curso é uma maravilha. Aquelas pegadinhas não me pegariam mais!”, brinca.

 Além de melhorar a memória — tanto a dela quanto a do marido — as aulas ajudaram o casal a fazer novas amizades. O convívio social com pessoas de idades variadas foi, para Vera, um dos pontos altos da ginástica cerebral. Arthur frequentou o curso por dois anos e Vera por dois anos e meio. Arthur parou porque queria outras atividades, mas a aposentada conta que está dando apenas uma pausa, pois vai passar uma temporada fora do país. “Quero voltar assim que acabar a viagem. Não concebo mais a minha vida sem minhas aulinhas”, completa. “A gente vai envelhecendo e para de raciocinar, a metodologia me ajuda.”
 
 Para “malhar” o cérebro, não é preciso ter equipamentos específicos, uma academia ou mesmo suar a camisa. Basicamente, os exercícios para a mente consistem em fazer algo fora do usual: escovar os dentes com a outra mão, mudar o caminho de casa ou tentar decorar os telefones mais usados (sem recorrer a agenda do celular). Essas são algumas maneiras de botar o cérebro para funcionar. “Isso gera uma reserva cognitiva, tira a pessoa da zona de conforto mental”, explica a neurocientista Carla Tieppo.

 A tal reserva cognitiva seria uma forma de manter o metabolismo mais exacerbado, fazendo com que algumas áreas do cérebro direcionem as ações de forma mais efetiva. “O córtex pré-frontal é muito usado quando estamos tendo comportamentos que não estamos acostumados”, detalha Tieppo. “Precisamos nos concentrar para realizar essas tarefas, o que é benéfico porque aumenta a capacidade cerebral.” Trabalhos inovadores, que incentivam a criatividade, manter-se sempre informado e cultivar o hábito da leitura também são boas formas de malhar a mente, de acordo com a médica.

 Se há uma coisa que o casal Priscila Campos Pereira e Nicolas Souza e Silva, 23 e 26 anos, tem feito ultimamente, é exercitar a mente. Priscila começou a estudar para ser aprovada em concurso público há dois anos. Mesmo matriculada em um cursinho preparatório, ela sentia falta de algo que a ajudasse a se concentrar nos estudos. Quando ouviu falar em ginástica para a mente, resolveu tentar. “Assim como existe ginástica para o corpo, achei que também poderia ter algo para o cognitivo”, justifica.

 O curso consistia em exercícios mentais, visando trabalhar aspectos como memória, foco, concentração e raciocínio rápido — tudo que Priscila precisava para passar pelas provas. “Antes, o meu estudo era um pouco avulso, sem planejamento e me deixava muito cansada. Era uma aprendizagem mecânica”, define. Entender a fundo o que estava lendo era uma das principais deficiências de Priscila. Em outras palavras, o método de estudos dela resumia-se à famosa (e criticada) decoreba. “Era daquele jeito que, depois de um tempo, você acaba esquecendo tudo.”

 Em maio de 2014, Priscila realizou o sonho de se tornar servidora pública. Mesmo após ser aprovada, porém, ela continuou a frequentar a academia da mente. Os avanços serviram como combustível para que ela fosse mais além. “Consegui criar uma rotina de estudos”, conta. “Quero me atualizar, fazer mais treinamentos relacionados à minha área.” As habilidades adquiridas no curso se estenderam para outras áreas da vida dela. O namorado Nicolas Silva, também funcionário público, ficou tão impressionado com o progresso da amada que resolveu dar uma chance ao curso.

 Nicolas estuda para certames há cinco anos e frequenta as aulas de ginástica para a mente há um. Desde então, assim como a namorada, nota que a concentração e o pique para estudar por horas melhoraram substancialmente. “Hoje, consigo fazer muito mais questões em menos tempo”, comemora. “Tempo é essencial porque os concursos estão exigindo cada vez mais que a gente faça uma prova extensa em um tempo curto.” O método, ele diz, o deixou mais organizado — na mesa de estudos e na vida. “Estamos até mais próximos, conseguimos estudar e nos focar juntos”, descreve. “Queremos crescer e isso é uma coisa que nos acompanha nesses quatro anos de namoro.”

 "Um adolescente que não estuda ou passa muito tempo assistindo a tevê, com certeza, está perdendo uma enorme oportunidade de manter sua máquina cerebral ativada” - Carla Tieppo, psiquiatra

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Problemas de memória levaram Ítallo à malhação dos neurônios (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)

 Outras atividades
 O estudante Ítallo Cavalcante Gravina, 19 anos, andava preocupado com a própria memória. Frequentemente, esquecia onde havia deixado alguma coisa, bem como grande parte da matéria ensinada na escola. Uma pesquisa na internet sobre formas de melhorar o problema o apresentou à neuróbica. Ítallo se interessou pelo tema e procurou saber onde poderia exercitar a mente na capital. “Assisti alguns vídeos no YouTube e chamei minha tia para irmos conhecer o método”, conta. O jovem se matriculou na mesma hora.

 A partir daí, Ítallo começou a trilhar o caminho para uma vida menos esquecida. Nos dois anos em que frequentou as aulas, tornou-se mais focado e viu os sintomas do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) abrandarem. “Tinha decidido que não queria usar medicação e resolvi fazer o curso”, completa. No começo, ir até o fim de uma tarefa era difícil: o barulho da sala desviava a concentração e era impossível manter o foco por mais de meia hora. O estudante precisou interromper as aulas para se dedicar ao cursinho pré-vestibular, mas, pouco antes de sair, conseguia permanecer totalmente aplicado por duas horas seguidas.

 Mesmo fora da “academia”, Ítallo se esforça para manter o condicionamento mental. A fim de deixar o cérebro afiado, vez ou outra, lê o caderno de cabeça para baixo. “É um jeito de me manter focado, de tentar me concentrar ainda mais.” Outro recurso que usa é uma espécie de ditado, em que cada palavra é atribuída a um número. Enquanto outra pessoa dita as palavras, o jovem anota os números atribuídos a elas (decorados por ele previamente). Depois, dá o resultado da soma. Por exemplo: se “casa” corresponde ao número 1 e “amarela” ao número 2, a resposta certa seria 3.

Em casa, o estudante conta que as coisas melhoraram. Agora, ele garante que os tios não reclamam mais (tanto) da desorganização dele, mas admite que ainda há coisas que considera “em processo de mudança”. “O meu objetivo principal é melhorar o meu processamento de informações, porque, de vez em quando, ainda demoro a entender algumas coisas.”

 A neuróbica não é a única maneira de exercitar o cérebro. Sonia Brucki, membra do Departamento de Neurologia Cognitiva da Academia Brasileira de Neurologia, explica que qualquer coisa que mantenha o cérebro funcionando está valendo, como ler, brincar com jogos eletrônicos, enfim, atividades que estimulem o uso do órgão de maneira diferente. “Nada indica que o método seja melhor do que prestar atenção nas coisas ou fazer algo que desperte a atenção e capacidade de raciocínio”, pondera.

 Ainda não há estudos aprofundados e controlados sobre o tema, mas Sonia Brucki diz que já existe comprovação de que a estimulação cognitiva em idosos tem respostas positivas a longo prazo. “Geralmente, são atividades bem direcionadas, com repetição.” Para ela, a principal dica é manter um estilo de vida estável e uma atividade intelectual variada. “Dentro desse estilo de vida saudável, entra a alimentação, a prática física e o exercício mental.”

 Tente você mesmo
 Veja alguns exercícios para colocar a neuróbica em prática

 A ltere a memória olfativa: associar o cheiro de café recém-passado com o começo do dia é comum. Tente acordar com um cheiro diferente. Mantenha um pouco do seu aroma favorito em um recipiente hermético na mesa de cabeceira por uma semana. Ao acordar, libere um pouco do odor. A ideia é ligar, conscientemente, um novo cheiro na rotina matinal para ativar novos caminhos neurais.

 Vire o mundo de cabeça para baixo: coloque fotos, calendários ou outros  objetos de ponta-cabeça. O cérebro é literalmente composto por duas mentes quando se trata de processar a informação visual. A parte analítica, ou verbal (chamada também de “cérebro esquerdo”), tenta rotular um objeto após um breve resumo: mesa, cadeira, etc. O “cérebro direito”, em contrapartida, percebe as relações espaciais e usa sinais não verbais. Quando se olha uma foto de cabeça para cima, o lado esquerdo rapidamente a rotula como “foto” e desvia a sua atenção para outras coisas. Quando a imagem está em uma posição não convencional, a estratégia de rotulação rápida não funciona. As redes do lado direito, então, tentam interpretar formas, cores e outros detalhes da imagem intrigante.

Trabalhe o tato: com os olhos fechados ou vendados, escolha roupas, sapatos e outros objetos com textura semelhante ou contrastantes. Use, além dos dedos, bochechas, lábios e até os pés. Fazer distinções sutis entre objetos e texturas provoca expansão e religação das áreas do cérebro envolvidas no toque.

Fonte: keepyourbrainalive.com

 “Praticamente zerei o sudoku”
 Érika Amaral Hatano, 22 anos, não pratica neuróbica propriamente dita, mas é louca por videogames. A designer de interiores entrou para o mundo dos jogos aos 15 anos, quando ganhou seu primeiro console. De lá para cá, ela acumula outros cinco aparelhos. Quando não está em casa, o celular faz as vezes de equipamento portátil. A temática dos jogos varia, mas alguns específicos para o desenvolvimento cerebral, como o Brain Age, estão entre os preferidos. “Esses têm treinos diários com vários tipos de exercícios diferentes, como múltipla escolha e contas de adição, subtração”, detalha.

 No começo da vida gamer, quando ainda era uma estudante colegial, Érika sentia-se tão estimulada mentalmente pelos desafios virtuais que chegava a ter problemas para dormir, tamanho estado de alerta. Em compensação, a concentração exigida a fazia ter mais atenção nas aulas - o que se refletia em notas melhores. Atualmente, ela conta que o foco é total quando está jogando, como se nada mais existisse a sua volta.

 Quanto mais exercícios feitos, mais pontos e recompensas. Há ainda a possibilidade de competir com outros jogadores on-line, o que deixa a tarefa mais complexa. O tempo até o fim de cada tarefa diminui conforme o raciocínio fica mais ágil, ganho que, segundo Érika, é o principal incentivo para continuar jogando. Muito mais do que entretenimento, o video game representa uma oportunidade de manter o cérebro sempre “em forma”. “Muitos associam os jogos às crianças, mas eles atingem vários públicos”, argumenta.

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